Pesquisa
comprova efeito anti-hipertensivo de plantas brasileiras
Testes feitos em laboratório do ICB mostram ação
vasodilatadora de fitoterápicos
Embora nem sempre os vegetais tenham
exatamente a ação medicamentosa difundida pela cultura popular, o chamado
critério etnofarmacológico tem aberto caminhos promissores para a indústria
farmacêutica. Foi assim com a mangabeira (Hancornia speciosa), tradicionalmente
usada para tratar hipertensão arterial. Em testes no Laboratório de
Farmacologia e Fisiologia Cardiovascular do ICB, a conjugação de alguns
constituintes do princípio ativo da planta demonstrou ação vasodilatadora e
alto efeito como anti-hipertensivo. Além de ser ativa no indivíduo hipertenso
em doses muito baixas, a combinação de substâncias é mais potente que o
captopril, medicamento amplamente utilizado para o controle da doença.
Protegida por depósito de patente, o
fitoterápico está na fase de avaliação toxicológica e de segurança. “Esperamos
encontrar parceria na indústria para tocar os testes clínicos em humanos”, comenta
a professora Virgínia Soares, do Departamento de Fisiologia e Biofísica, que
coordena a pesquisa ao lado do professor Steyner de França Côrtes e Lemos, do
Departamento de Farmacologia.
Outra planta que revelou efeitos
positivos para a mesma doença foi a Dioclea grandiflora, conhecida como olho de
boi ou mucunã. Neste caso, o critério usado pelos pesquisadores foi o
quimiotaxonômico, segundo o qual as plantas são agrupadas de acordo com seus
constituintes químicos. “Assim como a mangabeira, esta planta é rica em
polifenóis, que têm comprovado efeito sobre o sistema cardiovascular”, comenta
Virgínia Soares, ao explicar que busca preferencialmente dois tipos de polifenóis
– os flavonóides e as xantonas. “No caso da Dioclea grandiflora, trabalhamos
com a raiz, da qual isolamos, em parceria com fitoquímicos, cinco flavonóides
nunca antes descritos”, diz a pesquisadora. Um deles, batizado de Diocleína
pelo grupo, é extremamente ativo, com forte efeito vasodilatador e
anti-hipertensivo.
Apesar disso, os pesquisadores
precisaram recorrer à Química para solucionar um problema encontrado nos
testes: a Diocleína não fazia efeito se administrada por via oral. “Ninguém
iria querer fazer uso contínuo de injeções para combater a hipertensão”, brinca
a professora. Com a ajuda do professor Rubén Dario, do Departamento de Química
do Instituto de Ciências Exatas, a substância foi inserida na molécula de
ciclodextrina – oligossacarídio cíclico formado pela ligação de monômeros de
a-D-glicopiranose –, já usada na indústria farmacêutica, de forma a ser capaz
de atravessar todo o trato gastrointestinal e ser absorvido no intestino sem
perder sua atividade. “Outra vantagem do processo é que a Diocleína se tornou
solúvel em água”, aponta a professora, que destaca como grande benefício da
substância seu efeito de longa duração no organismo, já que ela se mantém ativa
por cerca de cinco horas. A descoberta da Diocleína e seus efeitos positivos
foram tema de vários artigos científicos publicados em periódicos
internacionais.
No rastro
do vinho
Hancornia speciosa e Dioclea
grandiflora têm em comum com o vinho a presença, em seu princípio ativo, de
polifenóis, responsáveis por efeitos benéficos sobre o sistema cardiovascular.
“Há um grande número de plantas capazes de oferecer bons resultados, mas as
pesquisas esbarram no financiamento, pois os testes são muito caros e os
equipamentos cada vez mais sofisticados”, comenta Virgínia Soares, que tem
outros estudos em andamento, especificamente com xantonas. “Quando fiz mestrado
e doutorado na França, nos anos 90, comecei a me interessar pelos efeitos do
vinho sobre o sistema cardiovascular”, conta a pesquisadora.
Além da hipertensão arterial, o grupo
de pesquisa de Fisiologia e Farmacologia Cardiovascular atua em linhas como
arteriosclerose, diabetes e dislipidemias, isto é, o desequilíbrio na
concentração de lipídios. “Procuramos explorar diversas drogas que poderiam
ajudar no tratamento. Assim, procuramos novos produtos a partir de extratos de
plantas que possam vir a ser usadas como medicamentos”, conta Virgínia Soares.
Ela destaca a participação na pesquisa dos professores Steyner de França
Cortes, do ICB, e Fernão Castro Braga, da Faculdade de Farmácia.
O laboratório de Fisiologia
Cardiovascular também realiza, por encomenda de empresas farmacêuticas, estudos
sobre efeitos tóxicos e comprovação da ação de medicamentos fitoterápicos que
já estão no mercado. “Para se ajustar às novas exigências da Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (Anvisa), as indústrias precisam comprovar que seus
medicamentos não têm efeitos tóxicos associados e que apresentam os resultados
esperados. Por isso, nos encomendam determinados testes”, explica a professora.
Além disso, o laboratório recebe compostos isolados para realização de ensaios
farmacológicos de pesquisadores da área de fitoquímica, tanto da Faculdade de
Farmácia da UFMG quanto de outras instituições brasileiras.
(*) Texto de Ana Rita Araújo
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